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Pederneira. Substância muito usada no fabrico de corações humanos. (Ambrose Bierce)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"Da temporalidade do escritor"

Na superprofissionalizada época atual, a vida da maioria dos escritores é mais aborrecida do que a sua obra. Isto tem uma explicação. Em muitos casos, o escritor de certo êxito, premido pelas editoras, se converteu em uma espécie de máquina do tempo, que trabalha com ritmos e horários fixos. Cumpre uma rotina tão previsível quanto a de um relógio de parede. Falamos de um tipo de escritor que costuma passar a maior parte de sua vida fechado num espaço pequeno e que, de vez em quando, assiste à televisão ou pratica jogging para se distrair. Escreve sem nenhum contato com o mundo exterior e sente na própria pele o que é o trabalho mais solitário do mundo.

Nem sempre foi assim. A personalidade do escritor é mutável e se transformou no correr dos anos. Entre Homero (ou o que signifique este nome) e Agatha Christie, as diferenças quanto ao modo de ver e exercer as Letras são tão grandes como entre as próprias sociedades nas quais cada um está imerso. Nos tempos de Cervantes, Marlowe ou Quevedo, por exemplo, a literatura costumava ser um complemento de vida. Os escritores eram diplomatas, soldados, secretários ou espiões e dedicavam parte de seu tempo livre e de suas experiências para deixar um rastro literário, embora com poucas pretensões de posteridade e, não raro, no anonimato. Shakespeare - não há uma só página escrita por ele e sequer temos certeza de quem ele realmente foi - é um bom exemplo. Esta tendência se manteve até o fim do Século XVIII, quando nomes como Voltaire e Goethe inauguraram a Era do "escritor estrela". Influente, admirado e solicitado em cortes e palácios como sábio e enfeite cultural, proporcionando prestígio a seus patronos e benfeitores.

Durante o século XIX, e até o período entreguerras do século XX, surge o escritor bon vivant, perdulário, amante de grandes viagens, das mansões principescas, dos salões repletos de senhoras elegantes, de aristocratas e de burgueses dedicados a política ou finanças. É o escritor "celebridade do mundo", a quem principalmente o jornalismo e os avanços de comunicação atribuem o papel de conselheiro universal. Quando morre um escritor deste quilate, as despedidas são as de um Chefe de Estado. Ou um pouco menos.

Em nossos dias, especialmente nos países desenvolvidos, o escritor também é uma celebridade. Ou melhor, um famoso da mídia submetido ao imperativo da notoriedade: dar sempre as mesmas respostas às mesmas perguntas e viver açoitado pela angústia da urgência editoral. Hoje, a literatura faz parte do cansaço cultural, da moda, do espasmo e da alteração. Assim resta pouco tempo ao escritor para desfrutar o ócio e a lentidão criadora, tão necessários para o amadurecimento de uma visão própria do mundo.

Entre os dois extremos - de um lado, o escritor celebridade; do outro, aquele que se isola do mundo, ignorando a pressão das editoras e desprezando a opinião que se tem dele, existe um outro tipo de escritor que alcançou o apogeu da popularidade literária sem renunciar a observação do mundo a partir da perspectiva histórica. São escritores que não desistiram da experiência pessoal e que a transformaram na base de sua obra.



Fernando Martinez Laínez.

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