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Pederneira. Substância muito usada no fabrico de corações humanos. (Ambrose Bierce)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Moscas


Eu detesto moscas!
Mosca, moscas, só moscas por todas as partes.
Acordo e sinto na ponta do dedo, traquina, uma mosca descansar.
Saco... Depois é lutar contra uma outra detestável pela cocada

Sai!

Nem a minha cocada matinal tem paz agora, mundo do cão, mundo das moscas!
Então eu vou para o trabalho, um trabalho igual a qualquer outro...

Ganho pouco e trabalho muito. E agora, na droga do Verão, ganho pouco, trabalho muito e vivo com moscas. Moscas nos documentos, moscas nos copos, moscas nos doces, moscas e suas patinhas por todas as partes, barulho de moscas em todos os lugares. Moscas.

Depois do trabalho eu prefiro caminhar, noite quente, um calor abafado. Ando pelas ruas devagar, olhando os muros, as pessoas andando de lá pra cá, a rotina de uma noite quente. Ninguém gosta de ficar em casa com um calor assim... Nem as moscas. Sento em um banco de praça, cansado, o dia foi mais cansativo que o normal. Mesmo dentro da mesmíssima rotina de sempre. Olho os casais de namorados, os homens parados e as mulheres inquietas, abraçam, afastam o corpo, falam, riem. Já vi a maioria, mas não com os companheiros de agora. Paixão pueril. Coisa de gente comum. Não de um observador de moscas.

Eu reparei semana passada uma coisa importante, reparei que passo a maior parte do meu tempo afastando moscas. Afastando moscas em casa e no trabalho, das comidas, dos documentos; não é possível, não é possível que só eu tenha notado o fato. Hoje mesmo, eu falei “Sai” umas quinze vezes, ou até mais, preciso prestar mais atenção. O banco começa a incomodar. Bancos de praça são muito desconfortáveis, são blocos feios de massa e feitos pra sentar e levantar rápido. Quando eu começo a levantar o barulho vem, claro, o barulho da mosca. Uma mosca pousa no banco, ao meu lado, ela veio do nada; ou não; Só sei que a mosca ficou lá parada, eu olhei pra ela, muita coincidência. Até demais.

No outro dia eu acordo e sinto novamente, não só na ponta do meu dedo, mas também no meu nariz. Enorme na frente dos olhos. Afasto a maldita rápido:

Sai!

Coisa irritante, com a cocada matinal o mesmo. Eu realmente gosto de comer cocadas quando acordo, é um hábito antigo, não interessa. O importante é que a luta hoje foi bem mais árdua, acho até que foram umas três detestáveis. Estão aumentando. No trabalho foram, no mínimo, uns trinta “Sai”. Com toda a certeza as moscas estão aumentando seu número populacional, ou pior, prefiro nem pensar. Na hora do intervalo é possível ter uma visão mais ampla do problema. Notei que uma mulher do primeiro setor afastou a mesma mosca quatro vezes do suco, também que uma outra mosca pousou em um branco do segundo setor, depois no macarrão de um moreno do quarto setor e então na careca de um gordo do primeiro setor. Estranho... Branco, quatro, segundo... Estranho...

Na caminhada noturna o mesmo, moscas nos muros, perto das pessoas. Como não notei antes? Moscas. Moscas por todos os lados, como é possível? Eu parei na praça, olhava para o alto, precisava pensar. Não estou exagerando? Talvez sim, claro, é só o calor, eu preciso de férias ou de uma noite na praia. O trabalho anda irritando demais. Resolvi voltar para casa, para uma boa noite de sono. No portão - Piada - Uma mosca. Até ri, peguei um pedaço de madeira no chão cautelosamente, então bati rápido; certeiro; O flagelo caiu morto.

Preciso mesmo é de um ar condicionado, tranco tudo e fico no fresco, e livre das moscas. Entrei e vi televisão por um tempo, um programa sem graça de humor, depois ao banheiro, realmente precisava. O piso todo molhado, porcaria, eu preciso é de uma empregada doméstica. Começando a pensar então... Quando eu comecei com a coisa de reparar nas moscas? Não lembro. Só lembro de afastar moscas de cocadas. Eu também - Oh, Droga! Merda de banheiro, ai... Escorregar no banheiro, muita gente já morreu assim, droga, não posso culpar as moscas por escorregar.(...) Acordo no meio da noite, merda, nem comi tanto hoje. No banheiro a dor de barriga é forte, parece que aumenta só por estar lá / Vou vomitar / Que nojento. Estou péssimo, só pode ser aquela comida do serviço, desgraçados, não como mais aquilo. Preciso de férias, e limpar a sujeira. Água, vômito, está asqueroso isso! Vômito maldito, que coisa... Mexendo? Mas... Mexendo... Parecem vermes. Vermes?!

Vermes no vômito, têm vermes no vômito. Merda, merda, merda. Vou matar aqueles cozinheiros! Vou é limpar a boca, comecei a sentir malditos vermes na boca também, nojo, nojo. /Eu não tenho nem forças pra limpar tudo isso agora/. Droga. Limpar a boca na pia mesmo. Preciso de um remédio e água, sei lá, geladeira, eu devo ter alguma coisa. Vamos ver... Mas... Quê isso? Parece um... Uma massa, gosmenta, coisa estranha, não coloquei isso ai, é comida estragada? Mas, a massa parece, parece mesmo. Puta! /Fecho a porta/. Estou mal, to ficando doido! Inferno!

Volto debilmente para o banheiro, piorando, vou matar aqueles caras. Entro e vejo

Sim,
e posso até mesmo gargalhar!

Os vermes eram moscas. Eram moscas, moscas, moscas, moscas por todas as partes!
Enormes, negras, criaturas nauseabundas, eram moscas, pequenos e lindas moscas!
Ri e chorei, eram moscas, vou rir muito e soluçar, eu não acredito, eu sei que é verdade. Ando até a cozinha e vejo a geladeira destruída, a massa gosmenta com suas asas largas e seus olhos vítreos...

Belzebu!

Monstro desgraçado! Morra!
A sala, eu quero sair... Sair? É inútil.
As moscas estão do lado de fora, olhe a janela, estão por todos os lados!
Nuvens de moscas voando pelo céu, estão nas ruas, nos esgotos!
É engraçado, é triste, é mosca. E o monstro sai da cozinha, coloca suas patas na sala, ele é grande demais. As paredes começam a rachar, as moscas do banheiro começam a voar, o mundo foi tomado por elas... Veja as moscas, estão atrás de você!
Ele vem! Ele vem! Livrar, fugir. Já está aqui... Vá embora! Vá embora Belzebu!
Bater, bater, bater, bater, bater... Bater... Bater...


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Depois de quatro dias os vizinhos de João Ferreiro Filho ligaram para a Polícia, um fedor insuportável emanava da residência. Infelizmente não foi o único motivo, um menino de oito anos entrou na casa naquela manhã para recuperar uma bola de futebol, e viu. O menino viu o mesmo que os policiais patrulheiros, legistas e toda a sorte de profissionais forenses viram posteriormente. João Ferreiro Filho caído na sala, muito sangue no chão, na parede e principalmente no próprio rosto de Ferreiro. Determinada pela autópsia e todos os outros procedimentos legais como Causa Mortis uma parada cardiorrespiratória, gerada por ataques epilépticos. Toda a parte frontal do Neurocrâneo foi destruída por fortíssimos impactos externos, fator que proporcionou grandes discussões entre os conhecedores de traumatologia Forense; simplificando, toda a parte frontal da cabeça de João Ferreiro Filho foi destruída por batidas na parede, ele destruiu todas as estruturas da testa até chegar ao cérebro. Uma visão nefanda em um caso praticamente impossível. João Ferreiro Filho tinha uma lesão cerebral, origem desconhecida, lesionado há muito tempo. Por algum fator não determinado à lesão intensificou sua ação na pobre cabeça de Ferreiro nos últimos tempos de vida, algo entorno de seus seis ou oito últimos dias. O ápice do problema foi à queda no banheiro na noite da morte, na verdade, é quase inacreditável que tenha vivido tanto tempo, e ainda mais trágico que tenha passado pelo processo totalmente sozinho. Nem se pode imaginar como foram seus últimos momentos. Claro, uma grande investigação foi feita, o caso foi famoso por alguns dias, entre os estudantes do meio ele ainda é. Uma curiosidade são as muitas caixas de cocadas caseiras que João Ferreiro Filho mantinha em seu estoque, a maioria cheia de moscas mortas. Moscas, dá pra acreditar?


Maio, 2008