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Pederneira. Substância muito usada no fabrico de corações humanos. (Ambrose Bierce)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O Laicismo é necessário?

Antes de qualquer argumentação, uma pergunta se faz necessária: O Laicismo é necessário? A sociedade brasileira atual já não é laica? Já Não deixamos de queimar pessoas, obrigar cultos, não somos (Brasil) o mais religioso dos países; sincrético – “católico” – não somos uma democracia racial, um país de tolerância moral até mesmo questionada por sua flexibilidade? Enfim, existem motivações para um protesto? Ainda hoje, entre nós, modernos?

Parece que não podemos concordar com muitas das alegações aqui apresentadas, tão usuais. Ao mesmo tempo, é preciso compreender com mais cuidado os limites e os falsos limites aqui, entre uma real liberdade e um contexto de subjetivas limitações; quero dizer, até que ponto somos tolerantes, e até que ponto essas tolerâncias estão incompletas. Sem dúvida, a liberdade de culto é geralmente respeitada. Desconsiderando um caso ou outro de algum grupo protestante mais radical, ou seita afro-brasileira, cada religião parece se desenvolver ao seu modo de maneira razoável. Nem só de crenças é feita a questão religiosa, mas também de sua refutação, ou sua negação, o Ateísmo ou o Agnosticismo. Não se desenvolvem em templos, não oferecem esperanças futuras de redenção, não estabelecem códigos morais específicos, mas, e até mesmo como resposta às incoerências das religiões frente ao mundo atual, a refutação e a negação do religioso crescem e com vigor. Especialmente no ambiente “livre” da Internet, com grande concentração de jovens com larga fonte de conhecimento e infinitos espaços de debate. O Ateísmo e o Agnosticismo são realidades em formação nacional, e em outros países de maior tradição liberal representam grandes partes de suas sociedades, e ainda com embates sobre os novos problemas do Laicismo hoje. O que eu quero dizer é que, embora todos os horrores combatidos pelo Iluminismo tenham deixado de existir na sociedade ocidental atual – no mínimo, oficialmente – existem outros parâmetros em nosso tempo sobre o tema do Laicismo ainda conflitantes: a disparidade entre a tradição religiosa que influencia a política e as políticas desenvolvimentista de pesquisa genética e ensino formal, também a crescente negação religiosa como impacto e ruptura com sua manifestação enquanto ideografia (o epistemológico e estético da visão transcendental).

Para a primeira questão, uma resposta categórica: NÂO. NÂO é possível admitir interferência religiosa em casos de pesquisas científicas e na atividade pedagógica. Embora a religião católica em especial apresente um logo histórico de cooperação com os governos brasileiros – e o episódio da Teologia da Libertação é uma exceção e não a regra para a antiga e reacionária instituição – nenhuma religião tem hoje por Direito preponderância nos assuntos da Coisa Pública Brasileira. Legitimamos um Estado laico, confinamos ao plano do individual o direito de culto, para preservar a coletividade de qualquer tirania ideológica. Uma realidade que pouco sai do papel em muitas circunstâncias. Como no caso dos homoafetivos, no qual direitos individuais de casamento civil são bloqueados por setores sociais fundamentalistas, ou no caso do neoateísmo, marginalizado nos meios midiáticos convencionais. Mas, diriam alguns, enquanto associação ou mesmo no mero plano do indivíduo não é possível desejar e negar certas atitudes, refutar certas maneiras de pensar? Sim, mas um “sim” que precisa ser especificado.

Eu sou ateu, mas se eu fosse um cristão fundamentalista, teria direito protegido pela coerência e pela Lei de não concordar com a divindade de Buda, as profecias maometanas e não aprovar o casamento gay. Definitivamente, nenhuma igreja cristã é obrigada a celebrar uma forma de união condenada por seu livro sagrado (e no entanto curiosamente muitos casos de homoafetividade são verificados entre seus representantes considerados mais castos), mas o fato do Cristianismo ser a religião mais popular, ou ser representado e apoiar determinados veículos de comunicação e mesmo políticos, não justifica atacar os direitos civis de uma pessoa por não comungar de suas crenças. No rigor da lei, ser uma ideologia grande ou pequena não se altera em relevância; são todas iguais, ou seja, nenhuma vale como regra ou se impõe. O casamento civil homoafetivo nada tem com o Cristianismo, e se o problema existe, e se deputados se sentem pressionados por seus representantes que desejam impor suas crenças, então o nosso Laicismo não está correto ou completo. O Cristianismo não vale na minha casa, na minha moral, ou na rua: ele vale nas igrejas cristãs, na ética de seus seguidores, e nas muitas versões infalíveis e contraditórias da Bíblia.

Sim, o Laicismo é necessário. O debate, atualíssimo. Não como antes, mas sim como agora. Temos todos muito o que debater.

A Segunda Questão é mais fácil, e ao mesmo tempo mais complexa. Como deve ser o diálogo entre a religião e a negação da religião? Como na primeira questão, minha aversão não pode ultrapassar meus limites individuais ou coletivos. Posso não concordar com a veracidade do Criacionismo, mas não posso pretender aboli-lo, no mínimo, como visão alternativa da biologia oficial. O crescimento da negação religiosa reflete a ruptura com antigos modelos e visões de mundo, é uma corrente de pensamento que não encontra apoio em sólidas instituições, e assim não é defendida de maneira sólida por grupos políticos ou de mídia fora do longo e embaraçado espaço virtual. Porém cresce, e se afirma. De uma maneira geral as religiões condenam de maneira contundente a ausência de seu elemento primário: fé. Sem o desejo de aceitar, grande parte da estrutura ideológica da religião perde seu sentido dentre seus elementos ilógicos. Um religioso pode muito bem acreditar que um ateu merece arder eternamente no Inferno, embora seja uma visão sádica, não sou eu quem impedirá qualquer um de pensar o que quiser. Em resposta, é parte do dever cívico dos religiosos a aceitação de elementos civis que abram mão de suas prerrogativas. Não é uma conveniência muito aceita. Muitos religiosos continuam propagando a rivalidade e o proselitismo contra o que consideram uma afronta aos seus modos de pensar; frequentemente, colocam a culpa na falta de fé pelo esvaziamento de suas mensagens. O Ateísmo e o Agnosticismo são posturas reais, e que estão aí, e que merecem o mesmo respeito que necessitam prestar aos cultos religiosos todos (nem sempre prestados, aliás, e não se pode negar).

terça-feira, 28 de junho de 2011

Moscas


Eu detesto moscas!
Mosca, moscas, só moscas por todas as partes.
Acordo e sinto na ponta do dedo, traquina, uma mosca descansar.
Saco... Depois é lutar contra uma outra detestável pela cocada

Sai!

Nem a minha cocada matinal tem paz agora, mundo do cão, mundo das moscas!
Então eu vou para o trabalho, um trabalho igual a qualquer outro...

Ganho pouco e trabalho muito. E agora, na droga do Verão, ganho pouco, trabalho muito e vivo com moscas. Moscas nos documentos, moscas nos copos, moscas nos doces, moscas e suas patinhas por todas as partes, barulho de moscas em todos os lugares. Moscas.

Depois do trabalho eu prefiro caminhar, noite quente, um calor abafado. Ando pelas ruas devagar, olhando os muros, as pessoas andando de lá pra cá, a rotina de uma noite quente. Ninguém gosta de ficar em casa com um calor assim... Nem as moscas. Sento em um banco de praça, cansado, o dia foi mais cansativo que o normal. Mesmo dentro da mesmíssima rotina de sempre. Olho os casais de namorados, os homens parados e as mulheres inquietas, abraçam, afastam o corpo, falam, riem. Já vi a maioria, mas não com os companheiros de agora. Paixão pueril. Coisa de gente comum. Não de um observador de moscas.

Eu reparei semana passada uma coisa importante, reparei que passo a maior parte do meu tempo afastando moscas. Afastando moscas em casa e no trabalho, das comidas, dos documentos; não é possível, não é possível que só eu tenha notado o fato. Hoje mesmo, eu falei “Sai” umas quinze vezes, ou até mais, preciso prestar mais atenção. O banco começa a incomodar. Bancos de praça são muito desconfortáveis, são blocos feios de massa e feitos pra sentar e levantar rápido. Quando eu começo a levantar o barulho vem, claro, o barulho da mosca. Uma mosca pousa no banco, ao meu lado, ela veio do nada; ou não; Só sei que a mosca ficou lá parada, eu olhei pra ela, muita coincidência. Até demais.

No outro dia eu acordo e sinto novamente, não só na ponta do meu dedo, mas também no meu nariz. Enorme na frente dos olhos. Afasto a maldita rápido:

Sai!

Coisa irritante, com a cocada matinal o mesmo. Eu realmente gosto de comer cocadas quando acordo, é um hábito antigo, não interessa. O importante é que a luta hoje foi bem mais árdua, acho até que foram umas três detestáveis. Estão aumentando. No trabalho foram, no mínimo, uns trinta “Sai”. Com toda a certeza as moscas estão aumentando seu número populacional, ou pior, prefiro nem pensar. Na hora do intervalo é possível ter uma visão mais ampla do problema. Notei que uma mulher do primeiro setor afastou a mesma mosca quatro vezes do suco, também que uma outra mosca pousou em um branco do segundo setor, depois no macarrão de um moreno do quarto setor e então na careca de um gordo do primeiro setor. Estranho... Branco, quatro, segundo... Estranho...

Na caminhada noturna o mesmo, moscas nos muros, perto das pessoas. Como não notei antes? Moscas. Moscas por todos os lados, como é possível? Eu parei na praça, olhava para o alto, precisava pensar. Não estou exagerando? Talvez sim, claro, é só o calor, eu preciso de férias ou de uma noite na praia. O trabalho anda irritando demais. Resolvi voltar para casa, para uma boa noite de sono. No portão - Piada - Uma mosca. Até ri, peguei um pedaço de madeira no chão cautelosamente, então bati rápido; certeiro; O flagelo caiu morto.

Preciso mesmo é de um ar condicionado, tranco tudo e fico no fresco, e livre das moscas. Entrei e vi televisão por um tempo, um programa sem graça de humor, depois ao banheiro, realmente precisava. O piso todo molhado, porcaria, eu preciso é de uma empregada doméstica. Começando a pensar então... Quando eu comecei com a coisa de reparar nas moscas? Não lembro. Só lembro de afastar moscas de cocadas. Eu também - Oh, Droga! Merda de banheiro, ai... Escorregar no banheiro, muita gente já morreu assim, droga, não posso culpar as moscas por escorregar.(...) Acordo no meio da noite, merda, nem comi tanto hoje. No banheiro a dor de barriga é forte, parece que aumenta só por estar lá / Vou vomitar / Que nojento. Estou péssimo, só pode ser aquela comida do serviço, desgraçados, não como mais aquilo. Preciso de férias, e limpar a sujeira. Água, vômito, está asqueroso isso! Vômito maldito, que coisa... Mexendo? Mas... Mexendo... Parecem vermes. Vermes?!

Vermes no vômito, têm vermes no vômito. Merda, merda, merda. Vou matar aqueles cozinheiros! Vou é limpar a boca, comecei a sentir malditos vermes na boca também, nojo, nojo. /Eu não tenho nem forças pra limpar tudo isso agora/. Droga. Limpar a boca na pia mesmo. Preciso de um remédio e água, sei lá, geladeira, eu devo ter alguma coisa. Vamos ver... Mas... Quê isso? Parece um... Uma massa, gosmenta, coisa estranha, não coloquei isso ai, é comida estragada? Mas, a massa parece, parece mesmo. Puta! /Fecho a porta/. Estou mal, to ficando doido! Inferno!

Volto debilmente para o banheiro, piorando, vou matar aqueles caras. Entro e vejo

Sim,
e posso até mesmo gargalhar!

Os vermes eram moscas. Eram moscas, moscas, moscas, moscas por todas as partes!
Enormes, negras, criaturas nauseabundas, eram moscas, pequenos e lindas moscas!
Ri e chorei, eram moscas, vou rir muito e soluçar, eu não acredito, eu sei que é verdade. Ando até a cozinha e vejo a geladeira destruída, a massa gosmenta com suas asas largas e seus olhos vítreos...

Belzebu!

Monstro desgraçado! Morra!
A sala, eu quero sair... Sair? É inútil.
As moscas estão do lado de fora, olhe a janela, estão por todos os lados!
Nuvens de moscas voando pelo céu, estão nas ruas, nos esgotos!
É engraçado, é triste, é mosca. E o monstro sai da cozinha, coloca suas patas na sala, ele é grande demais. As paredes começam a rachar, as moscas do banheiro começam a voar, o mundo foi tomado por elas... Veja as moscas, estão atrás de você!
Ele vem! Ele vem! Livrar, fugir. Já está aqui... Vá embora! Vá embora Belzebu!
Bater, bater, bater, bater, bater... Bater... Bater...


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Depois de quatro dias os vizinhos de João Ferreiro Filho ligaram para a Polícia, um fedor insuportável emanava da residência. Infelizmente não foi o único motivo, um menino de oito anos entrou na casa naquela manhã para recuperar uma bola de futebol, e viu. O menino viu o mesmo que os policiais patrulheiros, legistas e toda a sorte de profissionais forenses viram posteriormente. João Ferreiro Filho caído na sala, muito sangue no chão, na parede e principalmente no próprio rosto de Ferreiro. Determinada pela autópsia e todos os outros procedimentos legais como Causa Mortis uma parada cardiorrespiratória, gerada por ataques epilépticos. Toda a parte frontal do Neurocrâneo foi destruída por fortíssimos impactos externos, fator que proporcionou grandes discussões entre os conhecedores de traumatologia Forense; simplificando, toda a parte frontal da cabeça de João Ferreiro Filho foi destruída por batidas na parede, ele destruiu todas as estruturas da testa até chegar ao cérebro. Uma visão nefanda em um caso praticamente impossível. João Ferreiro Filho tinha uma lesão cerebral, origem desconhecida, lesionado há muito tempo. Por algum fator não determinado à lesão intensificou sua ação na pobre cabeça de Ferreiro nos últimos tempos de vida, algo entorno de seus seis ou oito últimos dias. O ápice do problema foi à queda no banheiro na noite da morte, na verdade, é quase inacreditável que tenha vivido tanto tempo, e ainda mais trágico que tenha passado pelo processo totalmente sozinho. Nem se pode imaginar como foram seus últimos momentos. Claro, uma grande investigação foi feita, o caso foi famoso por alguns dias, entre os estudantes do meio ele ainda é. Uma curiosidade são as muitas caixas de cocadas caseiras que João Ferreiro Filho mantinha em seu estoque, a maioria cheia de moscas mortas. Moscas, dá pra acreditar?


Maio, 2008

domingo, 22 de maio de 2011

Jerubaal



Um sujeito na Bíblia que me agrada, é Gideão. Li todo o livro preto; tirando um ou outro relato, uma narrativa avara de qualidade. Mas Gideão é diferente. Tem aquela estranha categoria de coragem de obstinação (O único tipo de proatividade vista com bons olhos pelos temperamentos por assim dizer apostólicos). Certas criaturas não deixam nunca de entender as paixões como inclinações vis; na recusa, ou em um prazer carregado de simbolismo negativo. Enfim, tema para outros momentos...

O mais interessante em Gideão é seu caráter. Para quem não sabe, Gideão segundo a lenda foi encontrado por um anjo [i]malhando trigo no lagar[/i]. Algo como tomar o café na Copa. Com todo o solilóquio comum do livro preto, nosso herói não se comove e exige provas científicas de seu, por assim dizer, Chamado. É o único gênio crítico em todo o texto além de Tomé e Jó. Por fim, depois de mostrar teimosia, animosidade, e ceticismo, adere aos planos bélicos absurdos inexplicáveis e invencíveis da Divindade. E para concluir seu estranho temperamento, renuncia a posição de liderança merecida.

Não é também meu objetivo fazer criticismo bíblico aqui. Quero apenas registrar a impressão da situação que pretendo relatar, pois, não foi outra a atitude que presenciei. A coragem de obstinação, como chamo, é talvez a semelhança que associo entre um causo e outro. Aquele rapaz de ânimo pacífico, olhar perdido, conversas desconexas. Eu me pergunto ainda. Eu me questiono as motivações de um ato tão contrário ao seu feitio.

Coragem de obstinação. Não é uma característica muito observada. Estou tentando esclarecer, repassando mentalmente, deixar claro para a minha própria consciência, uma dificílima situação moral, e profundo caso de consciência. Um amor de renúncia quasimodesco, ou a paulina confiança no martírio, fé sebastiânica. Existem efetivamente pessoas assim. São brandos e cordiais, verdadeiras bordas de rios, mas no momento oportuno capazes de avançar pelo fogo cruzado, permanecer entrincheirados, manter uma ideia fixa ou uma lealdade prejudicial até a morte. E não são necessariamente gênios, podem ser rasos de intelecto. Do meu círculo mais íntimo, já passaram alguns assim. Não é o caso.

Eu nem conhecia bem o sujeito, e não foi um problema. Posso dizer que fui feito para a chancelaria. Sou um logista, mas de boa-fé com os instintos e acasos de percurso. Em verdade, sou bem [i]romano[/i] no assunto: todas as inclinações instintivas são boas e justas. O sujeito não. Empalidece, ruboriza, procura meios e modos, parece atabalhoado em seus pudores.

Certas criaturas podem viver em plena e inalterada paz. Eu não invejo uma tamanha quietude. Mas aqui, com os jornais clamando sangue, agentes varrendo as ruas e os escritos de furor, as agitações e os rumores correndo de boca em boca, uma natureza delicada assim... "Fugir?"; perguntou, como se vivêssemos o mais extraordinário conforto. Ele me adora, apesar de tudo. Sou um bruto bem flexível, diz. Mas sou bruto.

O amigo leitor pode imaginar uma Barcelona da Guerra Civil, uma Alemanha do pós-guerra, uma correspondência de um país do norte africano, ou que sou um detetive investigador analisando projetos de UPPs, ou mesmo que nosso amigo não passa muito de um curioso aventureiro escritor, ou jornalista, aventurando pela região perigosa Oeste, Fronteira, ou mais longe uma base espacial no cerco de uma colônia humana rebelde. O cenário não faz diferença, e por questões profissionais não tenho a menor vontade de ser mais claro. Detenhamo-nos no caso de consciência.

Paguei o café. Disse de modo lato toda a situação. Nos últimos tempos, resguardo meus pés bem longe dos verdadeiros conflitos. Muitos podem crer que as minudências da vida social representam desafios. Representam. São desafios que ignoro de todo, então, por assim dizer, não me preocupam. Um ponto de quase semelhança, pois ele é uma espécie de trânsfuga, eu não. Ele escutou com viva e analítica atenção. Eu via a ingenuidade palpitar em seu rosto; o Inferno é um certo tipo de brilho profundo no olhar, e que só alguns reconhecem. Blasfemos, naturalmente.

Mas eu falava em Gideão... Não sei ao certo. Acredito que por ter se apresentado como cristão, tenha remexido em meu cérebro velhas lembranças da infância. Um Gideão, com um chamado messiânico de compromissos, sonhos. Falava muito. Vibrava visivelmente suas ideias. Um tipo fascinante. Eu não tinha aqui alguns objetivos complexos? No fim das contas, eu faço o meu lado, e é bem nossa diferença: Farei o meu, farei minha defesa, ou minha pergunta, abandonarei minhas convicções ou afirmarei, negarei e talvez aceite pela vista das mãos furadas; ele não, confiante demais no curso natural das coisas, comodamente afeito aos seus possíveis, e assim mesmo, um nada o faria mudar de ideia. O infeliz quer ficar e ver, ou melhor, ir. Não posso deixar de notar um assim.


Ver? Nada para ser visto. O declínio agudo de todas as coisas. Para além do horizonte, ruas abandonadas, barreiras de contenção, o Juízo Final. Mas ele deseja. Ardendo de desejo de ver e compreender - principalmente compreender - como um anjo curioso que desce ao Inferno para aquecer os pés. O mais absurdo de tudo: tem minha idade.


Eu sou uma espécie de luz tênue no mar escuro no qual meteu os joelhos. Quer dizer, acompanho seu raciocínio e não finjo não perceber sua presença. A gente daqui é resistente e evasiva. Ele deu uma sorte danada. Semana próxima embarco para a região contestada.


Ele espera ir também. Está muito confiante. De ir, por assim dizer. Eu não gosto de manter relações de dependência. Mas sou um diabrete sociável, não? Quando convém. Ele é um espelho, e o efeito me liga. Sou eu, quase materialmente, em sonhos e utopias, no frescor de crenças. Eu sou ele; embrutecido. Somos um passado e um futuro caminhando para um presente próximo.


Ele sai. Parece meditar em possíveis rascunhos para o dia. Parece em sua esperança calma e impenetrável aguardar a descida, o muito além do crepúsculo vermelho alaranjado que observo. Eu apenas guardo comigo, ideias dos meus dias duvidosos.


- Querida, traga algo decente agora. Com álcool.

sábado, 14 de maio de 2011

Cronismos

Comentários levianos é tudo que desejam. Pequenas banalidades da vida. Pequenas minudências de um detalhe e outro, e pupilos indulgentes. Defitivamente o trabalho contratado de terceiros não me agrada. É da natureza da canalha o gosto pelas pequenas vitórias, mas, e é o orgulho quem diz: não existe diferença.


Vez por outra é oportuno.


O café esfria, os papéis formam um pequeno monte. São as cantadas, réplicas e tréplicas. Os amores extravagantes, os causos mais banais, as artificialidades mais incoerentes para o tédio animoso. Conheço a pessoa, em especial o artista, de acordo com seus gostos dentro de certos assuntos: se ele fala daquilo que faz, daquilo que sonha, daquilo que pensa dever agradar, ou daquilo que tenta esquecer.


O Futuro, verdadeiro juiz de todos os atos, escolhe ao seu gosto uns e outros. Não é comum, mas até mesmo um antigo clássico pode ser bem ridículo. A largura de um discurso, a perenidade de uma sensação, não são virtudes relacionadas com o prestígio, e aqui, o Destino pinta suas grandes ironias, e troca o rei pelo bobo vez por outra.

No mínimo, é preciso viver na liberalidade de um cortesão. Então, vez por outra a mão declama às generalidades usuais. o bonachão da vida, do modernismo esclerosado, Era da lassidão, da confusão, a verossimilhança da hora. Com palavras mais simples, naturalmente.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Espírito de Osíris


Seria o velho berbére, a herança de Barca? A Força da Ancestral África?

Seriam os velhos faraós ressuscitados? Os Homens-Deuses imortalizados?

Seria o nacionalismo islão clamando seus fiéis? Santa Guerra e seus mártires?

*

É a união do desejo de liberdade com o sentido de irmandade.

É a cor bronze de muitos na força de um brado só.

É o Espírito de Osíris em tiros, bandanas e flamas.

*

Força e luta;
Poder,
Vitória.

Ainda mais ácido...

"All Alone"... Um blog é mais um apito na feira borbulhante da Internet. "Seus amiguinhos comentaram seus textos; lindo, charmoso, como uma multidão de outros subterrâneos simpósios efêmeros, na vastidão silenciosa de nomes que passam". É bonito - assumo - veja, é até louvável, mas como também vê; não é lá tão diferente. Gostamos de pensar fazer diferença, não fazemos tanta diferença, pensamos fazer. É uma certa injustiça necessária (são tantas), e bem o que pode ser. Mas, como também vê; não é lá tão diferente.

Você pode não estar gostando muito do tom... E vai piorar muito, camarada. Convenhamos, ficar aqui lendo texto de blog não é crescimento de vida, ou é? Ou, ou, talvez o amigo leitor seja um respeitável medalhão. Meu camarada, Goethe hoje é tão papa de verme quanto eu serei em algum tempo (pouco), e VOCÊ. Quero dizer; acreditamos importância e tomamos tempos para expressar nossas ideias (geralmente inúteis) e lemos as coisas dos nossos amigos (qualidade). Pois bem, mas como também vê; não é lá tão diferente. É melhor rir, meu camarada, essa merda só faz piorar.

Pessimistas ateus, niilistas, céticos profundos, humorados, condenados, bastardos... Mas você é um sujeito de bem e está aqui? Suportando o cheiro de urina das paredes, pode até se divertir. Meu objetivo? Justificar a completa falta de sentido da vida.

Digamos assim, é um livro de autoprejuízo*.


Compêndio de ensaios mórbidos sobre a nossa tolerância de falhas.




Deus está morto, tudo é permitido".


http://daassemblia.blogspot.com/

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Jogador


Há indivíduos que passam e ficam como se dados e arremessados. Percorrem a vida em um mesmo estalo. São a tirania da ação sobre suas consequências. Ora conquistadores, ora presidiários; os autênticos jogadores.

(...)

Vencer ou perder, ser ou não ter, esperar ou morrer. Resultantes inquebrantáveis e um jogo complexo demais para se malograr. Isento sempre de atalhos. Todo feito em curvas. Todo indivíduo transmuta uma enorme e limitada engenharia de relações. Interpretações contraditórias e múltiplas que por fim se coadunam. Dificilmente percebido movimento de peças.

Todas as matrizes são arbitrárias. Escapam de julgamentos quaisquer - aprofundadas em causas e efeitos. circunstância de nascimento, genética, necessidades, inimigos naturais, tradição, tudo que rodeia disputa aflige exulta o simulacro da personalidade, asilo tacanho. Aceitar, negar, tributar. O divisível nos confronta.

- Sua música é o ruído branco.

Pó de velhos ossos; hoje, enfim, é mero e preponderantemente humano = "Selva de Pedra". A Natureza vez por outra agita e quebranta essa esquizofrenia. É preciso ou recomendável labutar nele, conduzindo o mais possível na mão o desejo e na impossibilidade palpite de esperar boa ocasião.

- Lá podemos controlar instinto? Influir nas malhas de tantos ímpetos? Não é tudo passado do idêntico futuro?

Cegueiras que vale esquecer, meu amigo. E se já não pode esquecer/

- Como já não posso deixar de jogar

/então que se esqueça de tudo!
Podendo declinar ou tentar a fuga.

- No mais é lucidez e senso de oportunidade

E assim ainda falta!



*



Quando abandonei o curso de Letras pelas emoções das cartas, estérico e febril, das especulações terríveis, abandonei a vida de restrições - Odiada! Impossível! - Mergulho de longa torrente de riscos que me colocaram aqui [Em uma ante-sala de um escritório de agiotismo] Com a vida em risco e sem truques. - E por diabos não me chamam logo? Sei que na próxima, na próxima - Eu poderia escolher, dizem. "Fortuna", "azar", "destino", "vontade"; "livre-arbítrio"; punição e recompensa. Palavras que só fazem dilatar minha ansiedade... Sorte no Jogo, sorte... É a minha vez.