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Pederneira. Substância muito usada no fabrico de corações humanos. (Ambrose Bierce)

sábado, 8 de janeiro de 2011

O desbravador do campo de centeio

O maior mérito de O apanhador no campo de centeio talvez consista no fato do texto tratar, de um modo jovial e pouco clássico, das complexas questões da juventude: A indefinição do papel social do jovem, a sexualidade, a amizade, a relação com os pais, com a religião, com a escola.

J.D. Salinger, embora fosse ele próprio um homem obscuro e retraído, parte orgânica daquela angústia poética muito característica da primeira metade do século XX (Traço fundamental do Modernismo; angústia, intranquilidade interior manifesta, reflexo de um tempo de guerras e ruína), já em O apanhador revela um espírito varguardista independente; uma outra maneira de lidar com a guerra e a ruína, tão característica da segunda metade do século XX (geração beat, rock in roll, metal, contra-cultura).

Na primeira metade do século XX a guerra é física e o repúdio é interiorizado, com a Guerra Fria, a tortura é interiorizada, e a reação exteriorizada.

Holden Caulfield já não é apenas um homem angustiado formalmente inquiridor, tão pouco um jovem romântico, ele é um anti-herói. Sarcástico, cínico, dono de um sentido crítico aberto e agressivo ao seu modo. Tem algo de debochado, de depravado, de subversivo, de despreocupado, de anárquico e autocrata - Elementos suficientes para alisar a vaidade de adolescentes e pessoas mais excêntricas. Ele encanta pelas suas imperfeições, exageros e digressões vãs. Exala um "desejo de incorreção", Muito daquilo que estava naqueles pré-adolescentes e adolescentes que viveram a sombra do Macartismo. O Colégio Pensey, do qual Caulfield foi expulso, entendemos, é um pouco da própria América de Salinger, ou do próprio mundo. Falsamente elegante, hipócrita, repressor.

Existe também uma certa mensagem messiânica no texto, uma esperança acalentada, um sonho, mas não apenas uma abstração, porém um grito, uma ação. Ou um certo infantilismo, dizem os psicólogos. Caulfield deseja "salvar as crianças":

Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa q eu queria fazer. Sei que é maluquice

Holden Caulfield, de Salinger, é uma crítica ao formalismo da formação educacional e infantil de sua época. O autor, ali, nega o autoritarismo por um estado livre do indivíduo. Nega o ditador, e afirma o apanhador, nega a realidade crua, massificante, de concreto e velhacaria, preferindo as brisas de um campo de centeio.

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